As especificidades das edificações pensadas para a educação vêm mudando ao longo dos tempos, mas um conceito se mantém: a de que elas são parte integrante da formação dos alunos. Sua importância, aliás, extrapola o universo do corpo discente, afinal todos os públicos que frequentam o espaço universitário são impactados pela maneira como os ambientes estão dispostos.
Diana Vidal, professora de História da Educação da Faculdade de Educação da USP, reforça que a arquitetura faz parte de outros elementos que interferem na relação de ensinar e aprender. “Há uma ênfase muito grande no papel do professor, mas esse outro conjunto de elementos, que às vezes parece pouco relevante, também ensina. Eles abrangem desde a organização das carteiras, passando pela convivência entre as turmas e o local que o professor ocupa”, descreve.
O desenho e a organização do espaço físico também exercem uma importância sobre o trabalho do professor, que depende de uma acústica favorável e de espaços com arranjos flexíveis, que lhe permitam trabalhar com outras metodologias de ensino – e não apenas com a exposição de conteúdos –, além de pesquisar, ler, realizar encontros e fazer experimentações. É isso que reforça a pesquisadora Dóris C. C. K. Kowaltowski, autora do livro Arquitetura escolar: o projeto do ambiente de ensino (Oficina de Textos, 2011).
A doutora em Arquitetura lembra ainda da importância do conjunto de áreas comuns de convivência, entre elas a praça de alimentação, os laboratórios e as bibliotecas. “A arquitetura, claro, não é determinante, mas tem bastante influência no rendimento de professores e alunos”, diz. Isso não significa, contudo, que é preciso investir em construções luxuosas. “O que precisamos é de boa arquitetura. Uma arquitetura que demonstre que alguém pensou e refletiu sobre a função dos espaços e seu relacionamento com as pessoas e com o ambiente ao redor.”
Embora tenha esse importante papel, a arquitetura recebe menor atenção no ensino superior em comparação com a educação básica, apontam os especialistas. Porém, se algumas características técnicas são comuns a todos os níveis, outras necessidades se diferenciam conforme o público aprendiz. Na educação superior, por exemplo, a primeira grande diferença é o fato de que o público frequenta o espaço com muito mais autonomia e menos controle. Sendo assim, ele depende de alguns elementos para ser atrativo e acolhedor. A oferta de serviços e comodidades, como acesso à rede elétrica e internet, é uma delas.
Na Universidade Presbiteriana Mackenzie, a instalação de totens com tomadas e a distribuição de wi-fi pelas áreas comuns foram considerados itens prioritários no projeto de reforma da área de convivência, que também ganhou um novo mobiliário e painéis de vídeo (video wall) para a exibição de entretenimento e informações. “Fizemos uma pesquisa sobre a demanda de alunos e funcionários para melhorar a experiência desse público dentro do campus e identificamos que havia necessidade de não só melhorar o que já existia, mas ampliar a oferta de serviços”, conta Gabrielle Ferreira Fernandes, sócia-proprietária da HAI, consultoria que desenvolveu o projeto de reforma.
A reforma também ampliou a oferta de serviços, abrindo espaço para lojas, bancos, salão de beleza, papelaria, restaurantes, lanchonetes, café e uma agência de viagens, totalizando 25 varejistas. “A proposta de mudança estava baseada em melhorar a experiência do aluno, trazendo-o para um ambiente moderno e personalizado, que supere suas expectativas; em trazer marcas direcionadas ao aluno para que ele tenha um mix de lojas diversificado e com marcas que ‘conversem’ com seu jeito de ser e em trazer receita à Universidade”, elenca o professor José Inácio Ramos, presidente do Instituto Presbiteriano Mackenzie.
Gabrielle acredita que é uma falta de hábito a preocupação com essas instalações, principalmente na área de alimentação. “Não vejo um olhar voltado para isso, ou seja, em entender as necessidades do aluno e aliá-las com modernidade, conforto e segurança. Esses ambientes não são pensados com a riqueza de detalhes que merecem”, avalia. A consultora ressalta também que as necessidades podem variar entre as instituições e até mesmo entre os campi. Ela exemplifica com outro projeto de reforma em andamento, na UniEvangélica, em Anápolis (GO), onde a presença de um lava-rápido foi identificada como uma necessidade, item que não recebeu sequer citação na pesquisa com os alunos do Mackenzie.
Rechilene M. Maia Braga, coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Anhembi Morumbi, destaca que é preciso pensar os espaços de forma mais direcionada aos universitários, que passam cada vez mais tempo fora de casa. “A instituição ganha um valor muito grande quando propõe um novo conceito de convivência; um conceito que se traduza na humanização do espaço. Nessa perspectiva, áreas ociosas podem ganhar vida”, declara.
A Anhembi Morumbi também conta com a oferta de serviços de varejo e alimentação dentro de seu campus. A coordenadora diz que eles são complementares aos espaços formais de salas de aula e laboratório, funcionando como um ambiente de descompressão, de convivência e de lazer, mas também onde se faz leituras, interação e discussões. “É um conceito bem americano, em que você tem praticamente uma cidade ali, com serviços importantes, com segurança, e acolhedora não só para alunos, mas para professores e funcionários”, destaca.
“O ambiente faz diferença e o cuidado com ele faz parte de um bom sistema educacional. Ele não pode faltar”, afirma Dóris ao citar uma pesquisa feita na Inglaterra com adolescentes no ensino médio. Esse estudo apontou que as notas de alunos que estudavam em prédios bem estruturados eram 25% mais altas que as daquelas que estudavam em construções precárias. “A arquitetura de alguma maneira fez diferença ao longo da vida dessas pessoas”, avalia a professora.
Na vizinhança do campus centenário do Mackenzie, outra tradicional instituição testemunhou mudanças em suas paredes e muros. O conjunto de prédios que abrigou a Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo chegou a ficar um período abandonado, mas hoje é sede do Centro Universitário Maria Antônia, espaço que abriga exposições, salas para cursos, auditório e o Teatro da USP. A área livre entre as construções virou uma praça livre, aberta ao público.
A relação com a comunidade do entorno também permeia o projeto em andamento da nova unidade da Faculdade das Américas (FAM), no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo. A história do bairro irá se inserir no ambiente acadêmico, com a restauração e reforma do antigo Moinho Santo Antônio. “Um ambiente fabril e de extremo valor patrimonial e histórico. Os galpões serão adaptados para fazer todas as oficinas e laboratórios. E as áreas novas completam as necessidades acadêmicas do espaço. Mas o valor histórico do espaço tinha de ser mantido e esse foi um desafio muito grande”, conta Silvio Sant´Anna, do escritório Vidal e Sant´Anna Arquitetura, responsável pelo projeto.
A proposta, diz o arquiteto, é valorizar a interlocução entre o estudante, o docente e a comunidade do entorno. Assim, a biblioteca será aberta para a população do bairro. O moinho, um edifício mais alto, vai ser um centro cultural, com curadoria e figuras da região ocupando esse espaço.
De acordo com Sant´Anna, outro ponto de atenção na empreitada é o próprio incentivo que o Ministério da Educação tem dado para a integração de currículos. “A lógica ainda está muito na relação mestre e aprendiz, em que o professor é reverenciado em sala de aula, mas há uma tendência de integração entre as formas de conhecimento. Não existe mais a disciplina isolada; o movimento é para um currículo interdisciplinar e o projeto da FAM tenta seguir essas diretrizes. É um esforço imenso.”
O responsável pelo projeto lembra ainda que é indiscutível a incorporação das novas tecnologias ao espaço acadêmico, o que também dinamiza a discussão acadêmica. “Eu acho fundamental a questão do espaço arquitetônico, independentemente se estamos falando de uma instituição que trabalha com turmas de 20 alunos ou de outra que trabalha com massas. Hoje, com o ensino a distância, o ensino presencial tem de ter apelo e a arquitetura é um dos instrumentos para isso.